As conturbações no real estate diante da conjuntura econômica de 2016

Como a situação política e econômica do Brasil pode impactar no mercado imobiliário e na confiança para investimentos

A nota do Comitê de Mercado transcrita aqui foi firmada por:
Alessandro Olzon Vedrossi; Alex Kenya Abiko; Cláudio Bruni; Claudio Tavares de Alencar; Eliane Monetti; Eric Cozza; Fernando Bontorim Amato; Gilberto Duarte de Abreu Filho, João da Rocha Lima Jr.; José Roberto Machado, José Romeu Ferraz Neto; Marcelo Vespoli Takaoka; Mario Rocha Neto; Pedro Cortez; Roberto Aflalo Filho; Roberto Sampaio e Walter Luiz Teixeira.
A sessão referente à reunião foi secretariada por Claudio Tavares de Alencar, que se encarregou de redigir a nota sobre o tema com fidelidade ao que foi debatido.

Na primeira reunião anual do Comitê de Mercado do Núcleo de Real Estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (NRE-Poli), realizada no dia 25 de fevereiro de 2016, a pauta adotada foi o desempenho macroeconômico projetado e seus impactos no ambiente do setor de Real Estate. O debate foi ancorado em exposição do economista chefe do Banco Santander, Maurício Molan, versando sobre os possíveis cenários do ano corrente.

Neste ano, a apresentação esteve centrada nas projeções de evolução da dívida pública bruta, acompanhada da exposição das soluções técnicas possíveis de serem adotadas para o seu arrefecimento, bem como de desdobramentos políticos que podem resultar de alternativas para o equacionamento da dívida, objetivando posicioná-la em patamares adequados para economias emergentes, como a brasileira.

O debate foi pautado pelos impactos que a adoção de diferentes alternativas de ajuste podem provocar no real estate, seja pelas relações diretas de influência econômica, seja pelo ambiente político resultante dessas mesmas opções, mais favoráveis à retomada da confiança e do investimento, ou mais deletérias.

O texto a seguir representa a síntese dos principais pontos arrolados no debate, divulgados em nota do Comitê de Mercado do NRE-Poli

A evolução da dívida em três cenários

As projeções do Santander indicam que, sem um ajuste fiscal agressivo, a trajetória da dívida pública bruta poderá alcançar, ao final de 2018, o patamar de 88% do PIB. No Gráfico 1, visualiza-se a expectativa de expansão da dívida como proporção do PIB dos atuais (final de 2015) 66,2% até próximo de 90% ao final de 2018. Para a dívida líquida, a projeção aponta para um crescimento dos atuais 36% do Produto Interno Bruto  para 57,6% em 2018.

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É importante assinalar que as projeções do Banco alinham-se com as das demais instituições financeiras do mercado, de grandes consultorias e com as do próprio governo.

A leitura que o mercado vem fazendo dessa trajetória da dívida é o que resultará na insustentabilidade da solvência estatal em longo prazo.

Durante a reunião do comitê, foram apresentadas e discutidas três estratégias distintas como alternativas para formulação de políticas de governo para lidar com a evolução da dívida bruta, conforme descrito a seguir:

  1. A primeira hipótese se apoia em um ajuste fiscal focado, prioritariamente, em longo prazo, considerada como a proposição virtuosa, envolvendo a redução do gasto público com foco na contração da estrutura do Estado e, principalmente, na reforma da previdência, em conjunto com um eventual aumento pontual de impostos e contenção dos gastos com programas sociais. Em curto prazo, parece que esta proposta virtuosa não encontra eco na atual istração, seguindo, inclusive, a opinião prevalente entre os analistas políticos.
  2. Uma segunda hipótese é voltada para a busca do reequilíbrio das contas públicas e, portanto, para a inversão da curva de crescimento da dívida por meio da aceitação e do convívio da economia com índices mais elevados de inflação, chamada de hipótese disruptiva. Este “ajuste pela inflação” poderia ocorrer porque as receitas de impostos do poder público seriam ajustadas em valores nominais recorrentemente crescentes, enquanto boa parte da contrapartida do gasto público se ajustaria em patamares ex-post.
  3. A terceira hipótese de endereçamento do problema de evolução da dívida é a de manter uma gestão iva diante do problema, o que não reverte a curva de crescimento, mas antes tende a intensificá-la, porque se mantém o ambiente político e econômico vigente, marcado por uma grande aversão ao risco, resultando em compressão da atividade econômica e na redução da geração da receita para o setor público via impostos.

As projeções do Banco Santander itidas para os principais indicadores macroeconômicos de 2016 a 2018 estão apresentados na Tabela 1.

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A opinião prevalente no Comitê é que esta é a única hipótese que a atual istração federal é capaz de perseguir, tendo em vista o nível de deterioração política e o desarranjo organizacional ao qual ela se submeteu.

Alguns sinais presentes no ambiente

O desequilíbrio das contas públicas, aliado aos reajustes de preços istrados no ano ado, originou – além de uma espiral inflacionária que obrigou o governo a aumentar os juros e induzir uma recessão (retração de 3,8% do PIB em 2015) – uma instabilidade percebida pelos investidores internacionais que reposicionou a taxa câmbio para o patamar de 4 reais por dólar.

No começo do corrente ano, já se verificam alguns tímidos sinais de resultados das ações adotadas com o intuito de reverter a tendência de crescimento da inflação e de dar algum alento à atividade econômica. A inflação de fevereiro foi inferior à de janeiro. A retração nas vendas do varejo já apresenta indícios de estabilização. As exportações se dinamizaram com o câmbio favorável, não somente no setor agrícola, mas também no de manufaturados.

De outro lado, alguns sinais também expressam o agravamento da crise econômica. Constata-se uma aceleração na contração de crédito, inclusive imobiliário, e a consequente redução do estoque de crédito em giro na economia.

Percebe-se, também, um ligeiro incremento na inadimplência de pessoas físicas e jurídicas, o que tem levado os bancos a uma postura mais conservadora na concessão de novas linhas e, até mesmo, na renovação das existentes.

Na mesma linha de piora das condições do ambiente econômico, a taxa de desemprego vem crescendo dois pontos percentuais por ano, se aproximado velozmente dos 10%, mesmo patamar esperado para a contração da renda real até o final de 2016 (ver Gráficos 2 e 3). Para 2016, projeta-se uma contratação do PIB em torno de 4%.

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Essa contratação do PIB deve provocar redução na taxa de inflação do atual patamar de 10% para algo em torno de 7% a 8%, já em 2016, o que permitiria algum alívio na política monetária com redução dos juros ao final do ano e repercussões positivas na atividade econômica em 2017.

Projeção de juros e inflação

A curva de juros futuros desenhada pelo mercado configura, no presente, uma taxa de juros nominal de 16% ao ano.
Se tomarmos o referencial de remuneração piso dos títulos de longo prazo do governo como sendo a taxa isenta de risco da economia (risk free rate), o seu diferencial para a taxa de juros de longo prazo negociada no mercado deve espelhar a expectativa implícita de inflação projetada pelo mercado. Grande parte da formação dessa expectativa é decorrência da visão que os agentes de mercado têm da curva de evolução da dívida pública. São as políticas de gastos públicos formuladas ou em curso determinando o custo do crédito na economia.

Atualmente, o mercado opera com custo de captação no patamar do IPCA + 7% ao ano, um pouco acima do que se oferece como remuneração para a risk free rate. O elevado custo do crédito vigente denota que a percepção do mercado ainda é de altos índices de inflação no futuro, fruto do entendimento de que o persistente desarranjo das contas públicas é estrutural.

A manutenção das expectativas do mercado em relação à dinâmica da dívida pública continuará a esvair a principal fonte de funding para o setor de real estate residencial, a caderneta de poupança, tendo em vista a sua baixíssima competitividade de remuneração frente outras opções no mercado. Com efeito, os saques da caderneta alcançaram 50 bilhões de reais ao longo de 2015 e atingiram impressionantes 12 bilhões de reais em janeiro de 2016.

De todo modo, comentamos que ainda permanece o interesse dos bancos em manter suas operações de crédito imobiliário, devido, fundamentalmente, à sua segurança e ao cross-selling delas derivado.

Evidencia-se a robustez para o banco da operação de crédito imobiliário destinada ao comprador de imóveis o fato de que não obstante a inadimplência das pessoas físicas ter crescido ao longo de 2015, alcançando 4,3% em janeiro de 2016. A inadimplência no setor de crédito imobiliário não sofreu alterações significativas, mantendo-se no patamar de 2% a 2,2% no mesmo período.

O cliente do crédito imobiliário se esforça para manter suas prestações em dia e, em geral, é o último item da lista de bens financiados que entra em default quando advêm as situações de crise orçamentária na família, inclusive esgotando a sua eventual poupança financeira para liquidar prestações do financiamento habitacional.

A despeito destas características do tomador e do crédito imobiliário, a situação atual da economia não favorece a expansão da demanda devido à falta de confiança disseminada nos consumidores, em especial no que tange à assunção de dívidas de longo prazo.
O ICC (Índice de Confiança do Consumidor) em fevereiro de 2016 atingiu 68,5 pontos. Há cinco anos, estava perto de 120 pontos.

Por outro lado, tendo em vista as promoções e os descontos oferecidos na comercialização dos estoques pelas incorporadoras, o encarecimento do crédito (incremento nas taxas de juros e na redução do LTV – Loan to Value) como forte barreira às vendas tem sido amenizado em algumas negociações. Em relação ao LTV, é importante destacar os estudos do NRE-Poli que indicam uma redução de 10% na relação, o que implica, em média, na necessidade de três anos adicionais de acúmulo de poupança das famílias antes de contrair o financiamento.

Ainda o cenário político

Desde a realização da reunião do Comitê em 25 de fevereiro, cujo relato está exposto neste texto, ocorreram fatos políticos que poderiam invalidar parte das nossas considerações sobre a evolução da conjuntura econômica e do real estate no Brasil.

De certo modo, itimos que o mercado já “precificou” a ocorrência de perturbações no campo político, ou seja, as projeções para evolução da dívida e suas repercussões na economia continuam com os fundamentos válidos. O que pode se alterar conforme ocorra ou não uma mudança de governo é a forma (custos econômicos e sociais) e a velocidade com que um ajuste se imporá.

A composição de forças políticas que venha a se consolidar em médio prazo terá que endereçar o problema do ajuste fiscal dentro de um ritmo temperado pelo grau e pela velocidade de geração de atributos de credibilidade que conseguir inspirar na sociedade. Os resultados positivos que seriam alcançados com a mera sinalização da interrupção do crescimento da dívida como proporção do PIB, em um horizonte visível, enfrentarão duas principais dificuldades:

  1. Negociar com os diversos segmentos da sociedade o que cabe a cada um em termos de esforço para alcance do ajuste. Apontamos que os grupos mais refratários ao ajuste fiscal são, via de regra, os de maior capacidade de mobilização e pressão junto à classe política, inclusive dentro da base de sustentação do atual governo no Congresso, com ressonância em segmentos da imprensa;
  2. Lidar com o “rali” de curto prazo do mercado, que tende a antecipar eventos de estresse na seara econômica e política com a ansiedade e o nervosismo que lhe são naturais, comprimindo, no presente, a visão de um futuro hipotético, mas que tem potencial de influenciar a organização e as decisões das empresas e as políticas públicas. A adequada acomodação dos anseios e angústias da sociedade e do mercado diante da recuperação econômica exige liderança política
    com musculatura.

Alguns tópicos sobre real estate

Com todas essa análise, sintetizamos em tópicos alguns temas atuais do mercado de real estate brasileiro:
  • Em 2015, verificou-se uma redução de 50% nos lançamentos de empreendimentos residenciais na cidade
    de São Paulo;
  • Os juros médios para financiar a produção de empreendimentos residenciais para renda média estão no patamar de TR + 12% ao ano. Empreendimentos de outras tipologias tem taxas de financiamento atreladas ao CDI;
  • Disseminou-se a visão de que as vendas dos estoques só se realizam com alarde de grandes descontos, o que, de certa forma, freia a demanda, diante da impossibilidade de compreender os movimentos de preços do mercado;
  • O desenquadramento de renda com o valor do financiamento nas vendas originadas pelos lançamentos, que agora geram as entregas, representam o maior fator de geração de distratos nesta conjuntura;
  • Fustiga-se na mídia que os preços estão em queda e que a tendência é de intensificação disso;
  • A maior parte das empresas de real estate tem fôlego curto para sobreviver a três anos de crise. Lembrando que a crise atual começou em 2014;
  • Os impactos da crise são distintos em intensidade pelas variadas regiões e grande cidades do País.
    As capitais da região Nordeste têm sofrido mais do que São Paulo. No Rio de Janeiro, o encolhimento do setor de óleo e gás tem causado forte contração no mercado de real estate;
  • A economia de algumas regiões e cidades ligadas ao setor exportador, principalmente ao agrobusiness, tem se beneficiado com a retomada da competitividade gerada pelo posicionamento do câmbio;
  • O câmbio tem favorecido o ingresso de recursos de investidores estrangeiros no setor, com foco mais expressivo em oportunidades de edifícios para renda;
  • Estimativas apontam que os recursos do FGTS como fonte para funding para o programa Minha Casa Minha Vida são capazes de lhe sustentar por mais cinco ou seis anos, desde que não sejam usados para outros fins.

Fonte: Buildings

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