Vinculação de tributo à concessão de certificado é ilegal
O município de São Paulo vem condicionando a concessão do Certificado de Conclusão de Obra (habite-se) ao pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Isso tem impedido a entrega de empreendimentos com eventual débito do tributo. Tal prática – já declarada inconstitucional pelo STF, em diversas ocasiões (Súmulas 70, 323 e 547)1 – visa constranger o contribuinte ao recolhimento do crédito tributário por vias oblíquas.
O Código Tributário Nacional (CTN) prevê apenas três hipóteses que ensejam prova de quitação de tributos: (i) para concessão de recuperação judicial e declaração de extinção das obrigações do falido (art. 191 e 191-A); (ii) como condição de sentença de julgamento de partilha ou adjudicação (art. 192); e (iii) para celebração de contrato com entidade pública, ou participação em licitação (art. 193).
Como a situação não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses, o município não pode condicionar o habite-se ao pagamento do ISS. O inciso I do artigo 146 da Constituição Federal diz que é função típica da lei complementar estabelecer normas gerais de direito tributário. Assim, referida prova de quitação só poderia ser exigida caso constasse do CTN.
Ampliar as exigências da quitação de tributos como condição para prática de atos da vida civil e para exercício de atividade econômica ou profissional é algo que viola direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, conforme já declarado pelo STF.
Entre eles, o direito de o ao Poder Judiciário, assegurado pelo artigo 5º., inciso XXXV, da CF. Os contribuintes têm o direito de questionar a legitimidade do crédito tributário, o que acaba obstado pela exigência de tal quitação.
Há, ainda, desobediência ao princípio do devido processo legal, “(…) na medida em que implica o abandono dos mecanismos previstos no sistema jurídico para apuração e cobrança dos créditos tributários (e.g., ação de execução fiscal), em favor de instrumentos oblíquos de coação e indução”.
Isso sem falar no evidente desrespeito ao princípio da proporcionalidade e na própria ofensa ao direito de exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (como locação, compra e venda de imóveis etc.), garantido pelo parágrafo único do artigo 170 da Constituição.
O habite-se certifica o cumprimento das determinações municipais, se a obra é fiel ao projeto que lastreou o alvará de construção. Atendidas tais exigências não pode ser negado a pretexto de quitação de tributos.
Fica claro, portanto, que a exigência de quitação do ISS, além de representar meio coercitivo para satisfação de obrigação tributária, fere diversos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais. Neste sentido, também está pacificada a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça de São Paulo.
Desta forma, contribuintes que enfrentarem tal exigência poderão demandar amparo judicial.
1 – “Súmula 70 – É inissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”. |“Súmula 323 – É inissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”. |“Súmula 547 – Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.
2 – “Art. 5º. (…) |XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”. (grifou-se)
3 – ADI`s 176 e 394/DF.
4 – “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fi m assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
5 – Apelação 1009010-71.2017.8.26.0223, D.J. de 09.10.18. Apelação 1018886-12.2016.8.26.0053, D.j. de 01.10.18. AMS 1043864-24.2014.8.26.0053,D. J. de 11/01/2017. AMS 400010833.2013.8.26.0445, D.J. de 28/07/2016. Arguição de Inconstitucionalidade nº 0068152-18.2014.8.26.0000 – Julgado em 25/02/2015.
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